terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

mais puc - carta de Hamilton Octávio de Souza

Carta Aberta aos Professores

Peço licença para me dirigir aos colegas na primeira pessoa. Em primeiro lugar, para desejar um bom ano de atividades para todos, no desempenho de nossas funções profissionais. Em segundo lugar, para confessar que é muito difícil escrever para um jornal da comunidade, como é o PUCViva, há mais de dez anos, sem abordar os assuntos que pautam a nossa realidade mais próxima, que faz parte do nosso dia a dia e que interfere diretamente no nosso trabalho – por mais delicados ou incômodos que sejam tais assuntos.

Não dá para escamotear, por exemplo, que reiniciamos o ano letivo no mais completo caos administrativo. Não conseguimos, em 60 anos de história, dominar questões básicas como providenciar listas corretas de alunos, programar o número de turmas, distribuir salas para todos os cursos, ter uma definição mais clara dos contratos dos professores. Este ano a PUC se superou: inúmeros alunos pagaram a matrícula, mas não estão nas listas; alunos transferidos continuam em situação anterior; o número de alunos nas turmas continua indefinido. Afinal, quem deve ser responsabilizado, por essa situação constrangedora para os professores, desgastante para os alunos e altamente corrosiva para a imagem da Universidade?

Não dá para ignorar também que a Reitoria decidiu levar adiante o processo de retaliação contra os estudantes que ocuparam a sala da Reitoria em novembro do ano passado. Várias instâncias da Universidade (departamentos, conselhos departamentais, conselhos de centro) aprovaram em seus colegiados manifestações contrárias à repressão e à punição, em defesa do diálogo e do entendimento entre os segmentos da Universidade e a sua direção. No entanto, na ânsia de crucificar os estudantes, enveredou por um caminho extremamente perigoso para a PUC e a comunidade, algo que exige de todos nós professores alguma reflexão e uma tomada de posição.

Vejamos. Não quero parecer chato, intolerante, sectário ou radical. Quero apenas verificar, com o máximo de isenção, se o que está acontecendo é normal e aceitável ou não. Primeiro, a Reitoria aceitou uma sindicância realizada de 3 a 26 de dezembro e que tem apenas depoimentos dos seguranças da Graber, que agem como arapongas e alcagüetes – e não como inspetores de alunos ou guardas patrimoniais. Nessa sindicância, os alunos não foram ouvidos, não prestaram depoimentos, mas foram relacionados como culpados. Invoco aos ensinamentos do Direito se tal procedimento segue princípios jurídicos e éticos, de tal maneira que possam ser legitimados e respeitados pela comunidade? Sei que os Estatutos da PUC não foram respeitados, mas pergunto: a decência foi respeitada?

Esse procedimento lembra muito bem outros processos que envergonham a história da humanidade, como os da ditadura militar no Brasil montados com base nos informantes do SNI; os da URSS stalinista organizados pela KGB; e os presididos pelo senador Joseph McCarthy, com depoimentos forjados e obtidos de maneira coercitiva e ardilosa, para incriminar supostos suspeitos de conspiração comunista contra os Estados Unidos. A comunidade está disposta a silenciar diante de uma perseguição escancarada e métodos macartistas de atuação?

Conforme os depoimentos de vários alunos, durante a matrícula, em janeiro e fevereiro, eles foram ameaçados de perder bolsa de estudo por participação na ocupação, ou foi negado a eles a renegociação da dívida pelo mesmo motivo. Faz sentido que um estudante que tenha qualquer participação política no movimento estudantil seja “lembrado”, pela alta direção da Universidade, de que ele é um “pobre” bolsista ou um “devedor” das mensalidades. Tais práticas devem ser consideradas normais e saudáveis no nosso meio?

Acho, no entanto, que o fato da maior gravidade é o uso de informações acadêmicas, retiradas da sala de aula e da relação do professor com o aluno, para fins estranhos ao processo ensino-aprendizado. Fico imaginando como deve se sentir um professor da PUC ao saber que a nota baixa que ele deu a determinado aluno, não apenas faz a avaliação do desempenho escolar do aluno, mas serve como elemento de reforço punitivo por sua participação política dentro da Instituição. Ou seja, a Universidade está sendo ética e reforça a democracia interna quando utiliza contra os alunos informações reservadas da esfera acadêmica? Isso não deixa caracterizada uma odiosa perseguição contra alguns estudantes, inaceitável do ponto de vista legal e moral?

Os fatos da nossa realidade indicam que algo de muito ruim contamina as entranhas da PUC. Imagino e não consigo admitir que o que vem ocorrendo hoje pudesse ter existido nas gestões de outros reitores, como a da Dona Nadir Kfoury e dos professores Luiz Eduardo Wanderley, Leila Bárbara, Joel Martins e Antonio Carlos Ronca. Não creio que eles tivessem aprovado uma sindicância desse tipo ou endossado que os prontuários acadêmicos dos alunos fossem usados – por outras instâncias – para punir os próprios alunos. Não creio.

Temo que essa degradação de valores acabe desmoralizando o nosso próprio trabalho de professores. É muito lamentável.


Hamilton Octavio de Souza,
Diretor da Apropuc (Associação dos professores da PUC)
18.02.2008
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