quarta-feira, 16 de abril de 2008

A ocupação da UnB, a esfera pública midiática e a história

Rogério Tomaz Jr. - Observatório do Direito à Comunicação


"Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador". (Provérbio africano citado por Eduardo Galeano em "O livro dos abraços")



Nos últimos dias, várias pessoas me procuraram em busca de informações a respeito da ocupação da reitoria da Universidade de Brasília (UnB). Sabedoras do meu apoio ao ato – participando das assembléias e discussões, divulgando notícias e contribuindo, pelo Intervozes, com demandas da comunicação –,estas pessoas me indagaram acerca dos objetivos, das causas e das controvérsias da mobilização.



Dois elementos em comum a praticamente todos os diálogos chamaram a minha atenção. Por um lado, todos os meus interlocutores demonstraram, explícita ou implicitamente, não confiar na cobertura da grande mídia sobre o episódio. Por outro, ouvi de forma quase unânime a referência ao "ressurgimento" do movimento estudantil.



Em relação ao primeiro elemento, a eleição presidencial de 2006 comprovou, com sobras, que os auto-proclamados "formadores de opinião" não mais detêm o poder de influência que outrora tiveram. Tal perda gerou muitos órfãos do "Grande Irmão" que costumava apontar a luz verdade – sem muitas vozes contestadoras – para todas as questões fundamentais. Já há vários anos, cada vez mais vozes se levantam contra a forte hegemonia daquilo que é chamado de PMB (Partido da Mídia Brasileira), de PIG (Partido da Imprensa Golpista), de "mídia gorda" ou simplesmente de grande mídia. Esta perda de credibilidade, porém, deve ser considerada, pelo menos por enquanto, um aspecto conjuntural, ainda que vários indicadores – como a perda crescente da circulação dos jornais tradicionais, a decadente audiência da Rede Globo, ao lado da explosão da "blogosfera" e da crescente proliferação de rádios livres e comunitárias – apontem uma tendência consolidada.



O segundo elemento, o suposto "ressurgimento" do movimento estudantil, pode estar vinculado a um aspecto mais estrutural da nossa comunicação: a capacidade da grande mídia de pautar o debate público, de dizer o que existe e o que não existe no mundo.



"Trata-se tão somente de poder, é claro. No fim. O poder que a mídia tem de estabelecer uma agenda. O poder que ela tem de destruir alguém. O poder que tem de influenciar e mudar o processo político. O poder de capacitar, animar. O poder de enganar. O poder de mudar o equilíbrio de forças: entre Estado e cidadão; entre país e país, entre produtor e consumidor. (...) Trata-se apenas de propriedade e controle: o quem, o quê e o como. E trata-se do gotejar da ideologia, como também do choque do evento extraordinário. Trata-se do poder da mídia de criar e sustentar significados; de persuadir, endossar, reforçar. O poder de minar e reassegurar. Trata-se de alcance. E de representação: a habilidade de apresentar, revelar, explicar; assim como a habilidade de conceder acesso e participação. Trata-se do poder de escutar e do poder de falar e ser ouvido. Do poder de incitar e guiar reflexão e reflexividade. O poder de contar contos e articular lembranças". (Roger Silverstone, "Por que estudar a mídia?".)



Se à mídia hegemônica não é possível esconder a ocupação na UnB, é necessário, então, enquadrar a cobertura sobre o movimento. Reduzir os seus pleitos à saída dos dirigentes corruptos, desviar o debate sobre o significado das fundações para a universidade pública, fingir esquecimento quanto às demandas estruturais.



A todas as pessoas que saudaram o "ressurgimento" do movimento estudantil, respondi com uma pergunta simples: mas quando foi mesmo que ele desapareceu? A provocação era necessária. A primeira imagem que nos vem à cabeça quando escutamos o termo "movimento estudantil" é uma passeata, um protesto, uma "ação direta". Daí a ignorar a atividade cotidiana – e, em certo sentido, a própria existência – desse ator social, pelo fato de não ocorrerem mobilizações amplas e radicalizadas, é um equívoco imenso.



O mundo não é feito de fatos fragmentados e desconexos entre si, como apresenta, via de regra, a grande mídia. O mundo é feito de processos políticos e sociais, que se encadeiam, se sobrepõem e se acumulam no decurso da história. Se a História oficial é um emaranhado de datas, personagens célebres, heróis e mitos, o mesmo não se aplica à história real, construída cotidianamente. Esta é permeada de avanços, retrocessos, contradições, e acertos. Aparece esporadicamente nos registros – livros, mídia e outros –, mas no silêncio derruba muros, arranca grades e constrói barricadas.



Os estudantes e as estudantes da UnB que despertaram a curiosidade ou a atenção da mídia e da sociedade brasileira não surgiram por acaso. Possuem histórico de militância. Suas lutas – sim, há diferentes lutas unificadas numa frente comum na ocupação da reitoria – não começaram com este ato, nem terminarão com ele. Os centros acadêmicos, os coletivos autônomos e os grupos das mais distintas e divergentes inspirações e orientações teóricas continuarão existindo e atuando diuturnamente quando a atual mobilização for encerrada. Os seus objetivos – pontuais e estruturais, táticos e estratégicos – continuarão sendo reivindicados, embora não estejam mais tão presentes nas manchetes de noticiários de imprensa, TV, rádio e portais. E os seus protagonistas continuarão existindo para além das páginas de jornais e Internet. Estarão se comunicando nas ruas, nas praças, nos corredores, nas reuniões, nas salas de aula... porque a grande mídia não é a única comunicação possível.



*Rogério Tomaz Jr. é jornalista, estudante do Mestrado em Comunicação da UnB e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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